Um passarinho

Dia 10 de dezembro de 2017
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Sobre Textos

Eu evito arrumar a bagunça porque acho que vou colocar o mundo em ordem através de palavras. Me sento e vou organizando as coisas, ideias e pensamentos, e toda uma outra infinidade de coisas. Enfileirando as letras umas na frente das outras. Tem coisas que simplesmente parecem certas na minha vida, não sei se você também se sente assim às vezes, como colocar o nescau antes e o leite depois, sabe? Parece certo. É mais ou menos o que eu tento fazer na vida, só que com palavras.

Uma outra coisa que também parece certo é tentar demonstrar o quanto uma pessoa é especial para mim escrevendo para ela. Prometi que faria isso, de modo que parece certo estar aqui escrevendo este texto agora, para que você o leia amanhã ou depois, ou quando se sentir sozinho, ou quando quiser se sentir amado. Ou qualquer dia, na verdade.

E, entenda, eu poderia escrever sobre várias coisas aqui. Eu poderia escrever sobre algumas sensações que você causa em mim, de que sou querida, por exemplo. Mas quero escrever sobre outra coisa, uma coisa que andava meio perdida na minha vida, e você trouxe de volta. É simplicidade.

Eu te escrevi por aqui um dia desses e falei sobre como nós não somos o tipo de pessoa que precisa de um rótulo, e que não somos o tipo de pessoa que vive de amor, mas vive de paixão – que é físico, queima e acaba, e tudo bem ser assim. Mas pra falar a verdade mudei de ideia, porque falar que coisa X é amor e coisa Y é paixão também é rotular, e a cada dia mais tenho percebido que não faz o menor sentido fazer isso com as coisas. Principalmente pessoas. Principalmente sentimentos.

Daí cheguei a conclusão que sou o tipo de pessoa que vive de momentos. Eu coleto pequenos momentos instantâneos de felicidade (vai ver é por isso que sou aficionada pela câmera). São coisas simples que me fazem feliz e que me fazem perceber que a vida vale a pena e que a gente foi posto aqui para fazer alguma coisa mais legal e interessante do que nascer, viver pra pagar o iptu e depois morrer.

Você foi me ensinando a coletar momentos de felicidade em descuidos, sorvete de doce de leite, caminhar de volta pra casa na chuva, uma música que gosto tocando em um bar. Pequenos momentos meus de solidão na madrugada (que aliás eu aprecio muito e evito ter interferência do mundo exterior), tiveram eventuais risadas porque você estava do outro lado da tela. Abraços roubados na total escuridão de um quarto. Até uma respiração pesada seguida de um beijo eu coletei de recordação.

Não são coisas que precisam de um rótulo, mas ainda assim são momentos simples – como você – que me fazem feliz. Por isso, quando você me pergunta o que significa ser um amigo, acho que deve ser alguma coisa relacionada a isso: a sensação de ficar feliz perto de alguém que você não depende emocionalmente, mas, pelo fato de estar ali, sem precisar de um contrato, de compromisso, ou de qualquer coisa além de um cafuné, faz com que a vida seja mais do que nascer, viver para pagar o iptu e depois morrer.

Tomara que você acabe descobrindo um dia por aí nessas andanças da vida, que também é coletor de momentos, e, dia sim, mês não a gente se encontra, e coleta um momento por aí em algum lugar aconchegante e com alguma música boa. E ninguém que não tenha coletado aquele momento vai precisar saber, porque não é da conta de ninguém. E não vai ser um daqueles momentos que vai parar no facebook, não. Não é o tipo de coisa que precisa ser rotulado e exposto, lembra? É o tipo de coisa simples, tipo passarinho que aparece na janela pra acompanhar o canto.

E, tudo bem, pode ser que tentar entender o que de fato significa ser um amigo já entre na roda dos rótulos, mas não é como se você fosse citar meu nome como exemplo de amizade, não é mesmo? Ora, francamente, estou longe de ser um exemplo de qualquer coisa! Mas, acho que ser um amigo pra você tem um pouco dessas coisas que já disse, e também algumas séries na TV, cookies, nenhum compromisso no Natal, nenhuma necessidade de entender, apenas necessidade de ser. No máximo uma sorveteria, isso é bem mais nossa cara, convenhamos.

Eventualmente você vai continuar o que começou no outro dia, e me matar de rir com cócegas tentando pegar o livro que estou lendo ou o meu celular. Vou fingir que você não levantou minha blusa demais e a gente vai seguindo com uma coleção de momentos que são nossos demais.

A verdade é que só precisa parecer certo e fazer sentido, tipo palavras. Verbo, sujeito e objeto, ou, se você não quiser ir tão longe e for apelar para as coisas simples, volto pro primeiro exemplo, do leite com nescau. Rotularam de café da manhã, mas pra mim é só uma coisa que parece certo.

Que nem você, passarinho cantando na minha janela.

E já não me sinto tão só, com você ao meu redor.