Das belezas em vazios iluminados

Dia 5 de novembro de 2017
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Sobre Textos

Eu podia sentir que ele me amava em cada aspecto que é possível de se amar alguém. Nas coisas que se podem ver e nas que não se podem, no entanto, quando ele olhava pra mim eu sentia a colisão dos sentimentos dele com os meus emergirem de dentro pra fora. Acho que eu brilho mais forte perto dele, mas não sei se ele sabe que também é uma parte da combustão.

O amor, eu acho, começa como uma admiração antes de queimar e brilhar.

A gente admira as pessoas pelo que elas escolhem ser, apesar do que a vida insiste em torna-las. Há quem escolha ser forte, ou ao menos se sentir forte mesmo que não seja, pra conseguir continuar. 

Eu soube desde o primeiro momento que ele me admirava, mas eu não tenho certeza se ele soube que era recíproco. É curioso como a gente pensa pouco de si mesmo.

Ninguém esteve tão presente no nosso inverno quanto nós mesmos. Ninguém acompanhou tão de perto quando apareceram pra roubar os frutos, ninguém viu a troca de cor das folhas – uma a uma. Só a gente que viu, centímetro por centímetro, quando a seiva começou a nutrir as folhas, tão antes de elas caírem ao chão. A gente é quem sentiu os galhos sacolejarem e depois se partirem. Só a gente sabe quanto frio fez.

As flores são bonitas, e as pessoas as vêem de longe. Mas é curioso como a gente pensa pouco de si mesmo, porque ninguém esteve tão presente no nosso inverno quanto nós mesmos.

Em muitos aspectos eu acho que ele me lembrou um pouco das belezas simples. À distancia a lua é linda e iluminada, mas de perto é cheia buracos, vazios e muitas coisas que um estrangeiro não pode conhecer até ter chegado perto o suficiente.

Coração dos outros é terra estrangeira pra gente. Ainda não tenho certeza de que um dia o conheceremos bem o suficiente pra ganhar cidadania e visto permanente pra viver de perto cada detalhe, mesmo as crateras mais fundas.

Eu poderia fazer uma lista de todas as coisas que são bonitas de longe: café fervendo, a lua e as estrelas, o século XVIII, peixes com escamas azuis brilhantes, tulipas roxas, o coliseu, a vista do alto de um despenhadeiro, o mar.

Nem tudo a gente pode chegar perto o suficiente. Ô mania de querer tocar as coisas intangíveis.

Uma estrela brilhou no nosso encontro, ele disse – antes de me tocar.

Quando duas estrelas colidem e uma delas é mais densa que a outra ela absorve o calor e juntas se tornam uma maior. É o que chamam de globular cluster. Quando uma estrela pouco quente e viva – a vermelha, que já queimou muito hidrogênio – colide com uma estrela mais densa e viva que ela – a azul, com mais massa e que queima hidrogênio mais intensamente e por isso é mais inflamável – ela pode se tornar tão quente que fica azul mesmo tendo sido vermelha a vida toda. É o que chamam de blue sttraglers.

A gente não entende o que torna as coisas bonitas. A beleza que podemos ver é apenas o que sobreviveu aos colapsos e combustões. As flores só são bonitas à distância porque nós não vemos quão perto da morte elas chegaram no inverno – se soubéssemos veríamos as flores como um deboche na cara da morte.

Por isso que quando ele olhou pra mim e disse que eu era uma das coisas mais lindas que ele já tinha visto, eu sabia que não era sobre as flores que ele podia ver mas sobre cada vento e neve que eu contei que tinha enfretado, mesmo que para ele a estação mais fria ainda esteja na metade.

É mais difícil pensar pouco de nós mesmo quando tem alguém logo ali nos lembrando constantemente de que somos maiores do que o inverno. Ele não precisava lembrar, ele precisava descobrir. Nem toda beleza que eu vi nele foi suficiente pra que ele brilhasse.

Uma parte de todas as coisas lindas sempre vai ser que nem a lua, cheia de buracos e vazios que nenhum estrangeiro pode conhecer até ter chegado perto o suficiente. Eu queria muito que ele pudesse ver motivos para continuar emitindo calor e brilho apesar disso, porque quando a estrela dele colidiu com a minha e ele me informou em um idioma mágico que o céu se iluminou de um jeito diferente, ele não sabia, mas ele também era parte da combustão.

É uma pena que por vezes demais a gente se acostume com o inverno para entender o fenômeno que começa com pequenas sementes se descongelando e brotando em terrenos áridos e quase inférteis. Mas eu ainda vou continuar admirando as flores, as luas, as estrelas e as pequenas belezas de quem se veste de força pra se sentir quente e continuar.

Mesmo de longe.

Porque ainda em seu inverno, ele me olhava como se eu fosse a coisa mais linda que ele já pudesse ter visto, e isso foi antes, durante e depois de tropeçar nos buracos e vazios deste corpo solar reluzente que sobrevive e brilha com mais luz à noite. E eu posso sentir, independente dos quilômetros de distância invernal que nos separam.

  • dia 16 de novembro de 2017

    Eu tô muito feliz e apaixonada pela poesia desse texto <3 Achei este muito lindo. Adoro metáforas, então, me pegou direitinho hahaha.
    "A beleza que podemos ver é apenas o que sobreviveu aos colapsos e combustões" (meu quote preferido, pois é poético e real ao mesmo tempo) <3

    Love, Nina.

    • Carol Santana
      dia 16 de novembro de 2017

      @Nina, eu tô apaixonada pelo seu cuidado em me fazer tão feliz com esse comentário <3
      Seu apoio, Nina, é um fator tão importante na minha vida.
      Obrigada, obrigada, obrigada!
      Não só por isso, por todo o resto <3

  • dia 19 de novembro de 2017

    Será que posso fazer desse texto a minha casa? Porque eu estou completamente apaixonada por cada pedacinho dele. Todos os pedacinhos de todas as estações. Todos os pedacinhos do inverno. ?

  • Fantoni
    dia 19 de novembro de 2017

    Voltei hahahaha. Você é a reencarnação de Byron ou Shakespeare? Sei que eram poetas, mas o sentimento exposto e detalhado, faz-nos sentir imersos na constelação de sentimentos que somos todos os os dias.

  • Carol Santana
    dia 19 de novembro de 2017

    @Fantoni, EU TÔ AMANDO ESSA ASSIDUIDADE!
    Não sei se mereço tal comparação, mas estou trabalhando em prol disso. Depois de um elogio assim perdi até o rumo de casa. Obrigada, meu bem. <3

  • Carol Santana
    dia 19 de novembro de 2017

    @Cecilia Maria, Vou imprimir e te mandar pra você ler com a sua carta aos que sonham sempre que quiser! <3