Uma carta molhada

Dia 1 de maio de 2016
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Sobre Textos

holdbackthe river

Eu não lembro qual foi a última vez que nos beijamos. Não aquele roçar de lábios delicados do adeus no carro, esse não. O beijo de verdade, descontraído, embalado por uma risada e um carinho, o que surge despretensioso no abraço do sofá. Esse eu não lembro. Já fazem uns meses que não estamos juntos mais então sei o tempo em meses, mas antes disso também não consigo me lembrar. Não lembro do beijo com paixão.

O problema das últimas vezes é que dificilmente percebemos que estamos vivendo-as pela última vez. Acreditamos e nos seguramos com força no amanhã, porque ele é feito de esperanças. É bonito, tudo melhora no amanhã. Mas isso também atrapalha um pouco, porque eu não lembro de quando nos beijamos pela última vez. Não sei se você estava saindo pro trabalho e voltou na cama, abaixou e tocou meu rosto com gentileza, não lembro se estávamos no supermercado e eu te abracei segurando um pé de alface, não lembro se estávamos indo dormir ou se havíamos acabado de voltar do banho. Não sei dizer, não há memórias sobre isso em minha mente, o que me faz pensar que deve fazer realmente muito tempo que você parou de me olhar com esse olhar de admiração e desejo.

Não é que é ruim você ter ido embora, eu sei que não podemos impedir o rio de fluir. Eu acho ruim a urgência com a qual você foi, a facilidade que teve em me deixar para trás, o desprendimento que você teve do meu corpo, da minha alma e do meu coração. Isso doeu muito mais do que o adeus em si; é que você precisou ir mas não me chamou pra ir junto.

O luto que vivo não é da morte por afogamento que chegou e levou tudo sem aviso; lágrimas podem vir por dias e com toda a força de um mar em ressaca, não são essas águas que nos matam. O luto é teu, que teve a opção de ficar e foi mesmo assim, escolhendo que eu não fosse junto, o luto é não lembrar do nosso último beijo.

O rio precisa seguir e não há como impedi-lo de ir onde deve ir, eu pensava que as lágrimas afogavam a gente se mergulhássemos fundo demais nelas, mas o rio não para e quem nada contra ele não está indo a lugar nenhum. Eu gostaria de poder impedir a maré de levar o que sobrou no porto, mas a âncora não estava presa e o barco foi junto, às vezes é necessário abandonar o navio.

Essa é talvez a carta mais sincera que jamais lhe entreguei. Mas, como a nossa história, ela está sendo escrita agora e é isso que importa. É muito sincera pois nela não lhe peço para ficar, não lhe peço que me ame, não te digo que te amo, não seguro o rio e tampouco luto contra a correnteza. Como uma boa carta de amor essa carta não pede, não implora, não dói. Essa carta é uma garrafa seguindo a correnteza, não tenho sequer certeza se ela vai chegar à sua praia. Não dá pra saber se um dia você vai estar caminhando pela areia fofa e tropeçará seus pés pela garrafa dela. Mas ela foi escrita, e as mesmas lágrimas que pensei que me matariam afogada foram as responsáveis por lavar a minha alma o suficiente para que eu conseguisse sentar aqui e escrevê-la.

Obrigada,

Por lavar a minha alma. Por ser água doce e salgada. Por ter ido embora sem mim e me ter feito perceber que apesar das ondas e da maré de azar, e da lua cheia, e da ressaca, e da correnteza eu ficaria bem se pudesse eu mesma segurar o timão do meu navio. Eu nunca devia ter entregado essa responsabilidade nas suas mãos, cada pessoa tem seus próprios mares para desbravar, e é não impedindo o rio de seguir seu curso que vamos desembocar nele.

Talvez não seja o último beijo que devesse ser tão importante assim, mas viver esperando que sempre haverá um outro. Espero. Que esteja feliz, e que o seu barquinho esteja indo bem, que você encontre lugares que te façam sentir que vale a pena baixar âncora ali. Novas tempestades vão surgir no horizonte mas é também olhando para ele que vamos chegar a novos, diferentes, surpreendentes e inusitados lugares. Eu fui mar, você foi ilha e cada pessoa sabe de si, mas agora não choro mais, só rio, doce. Sou rio doce.

  • dia 3 de maio de 2016

    Gente!! As caixinhas que eu tenho que preencher antes de comentar já se preenchem sozinhas aqui… Isso que eu chamo de ASSIDUIDADE! Nem sei se escrevi essa palavra certo… mas tu pegou o espírito da mensagem! Pois bem, Carol… já te enchi de snaps ontem a respeito desse texto. Sobre como ele me inspirou e panz, mas achei por bem vir até aqui para deixar isso registrado no que nós escritoras mais amamos: FEEDBACK!

    Bem, o texto pode até ter sido escrito de forma leve. Mas, leveza é a última coisa que ele possui. Ainda mais para uma pessoa cheia dos feels, como yo (hablas espanhol?), ele contém uma profundidade muito grande. Seu resultado, no entanto, conseguiu ser leve. Sou rio doce. Que conclusão mais linda!!!!!!!! E, agora essa música vai ficar NA MINHA cabeça… até eu conseguir tirar “Se” dela… o que vai levar um tempão… até eu terminar aquela cena, aparentemente. Esse comentário não fez muito sentido. EU não faço o menor sentido. Então estamos bem. Beijiiinhoooo!! Aguardo as últimas informações do mundo da Carol!

    • Carol Santana
      dia 4 de maio de 2016

      @Ana Carolina, ME DÁ UM ABRAÇO AQUI
      amo seus comments <3
      vou passar lá no cantinho em breve e comentar em todas as postagens recentes desde aquela da aria e mulheres fodas É SÓ QUE EU SOU LERDA mas você sabe que eu leio tudo (inverno <3)
      JILLY
      jilly
      como você vem aqui incitar sentimentos JILLY falando dessa música "Se"
      te odeio
      porém te amo mais

  • Claudia Lima
    dia 8 de maio de 2016

    Nossa, que texto lindo! A primeira coisa que leio chegando aqui e já me emocionei.
    Como a moça de cima disse (Ana Carolina) , o texto ficou profundo e leve ao mesmo tempo , isso deu um toque de poesia nele. E só quem já passou por um relacionamento e chegou ao fim dele sabe como é difícil, mas também sabe como a gente aprende e cresce com isso.

    • Carol Santana
      dia 2 de junho de 2016

      Oi @Claudia Lima, que engraçado você falar isso porque desde que eu comecei a escrever (e faz tempo, haha) eu tento fazer poesia mas sempre acho que não ficou bom, daí você comenta que minha prosa parece poesia e eu quase saio correndo pela casa, hahaha
      Obrigada pelo comentário fofo e pelo carinho, acho que o que faz os relacionamentos (todos, não só os amorosos) valerem a pena é quem nos tornamos por causa e depois deles. beijo

  • Claudia Lima
    dia 8 de maio de 2016

    Ah, esqueci de comentar sobre a música, que é linda, e casou perfeitamente com o texto.

  • dia 16 de maio de 2016

    Que texto mais LINDO! Eu cada cada verso, a forma como você usou as palavras, a forma como tudo remetia a água e afins, eu amei isso! Parabéns, amei o seu blog!

    • Carol Santana
      dia 2 de junho de 2016

      @Júlia, Sabe esses filmes que falam de elementos da natureza? Toda vez que eu vejo fico pensando que o meu é a água, hahaha
      Sou apaixonada por mar, rio, cachoeira, lagoa. Tudo me dá uma paz tão grande, acho que é a cor azul e o sentimento de que as coisas vão passar.
      Muito obrigada pelo carinho, flor! Beijo

  • João Pedro
    dia 21 de junho de 2016

    Carol, primeiramente parabéns pelo site! “Segundamente” parabéns pelo dom que o Senhor te deu! Suas palavras tocam nossa alma de uma forma profunda, forte e ao mesmo tempo que massageia nossas feridas, nos faz entender a importância do crescimento, do desenvolvimento que adquirimos ao passar por situações adversas em nossas vidas. E por fim, mas não menos importante, a virtude que temos em continuar em frente, independentemente das dores do passado. Mais uma vez, parabéns!

    • Carol Santana
      dia 27 de junho de 2016

      Muito obrigada@João Pedro,! Faço tudo com muito carinho, mas sei que a escrita na minha vida realmente é dom do Pai! Ainda bem, sem ela eu estaria totalmente doida dentro dos meus conflitos sem conseguir externar isso. Que bom que no meu processo de externar e entender tudo consigo escrever e, quem sabe, ajudar outras pessoas também.
      Volte sempre, seus comentários alegram meu dia! <3