05 de Abril de 2022

Dia 5 de abril de 2022
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Sobre Textos

Tudo que eu queria falar sobre o tempo é que ele nunca passa rápido o suficiente, exceto quando escorre pelas mãos e sai correndo quilômetros à minha frente implorando para que eu o alcance. Aquele jogo de pique-esconde em que eu sempre o busco, e ele continua me fazendo encontrar outras coisas enquanto o procuro, e então segue chamando meu nome desse lugar que eu não sei qual, mas que a busca por ele me faz continuar.

É, quero dizer, tivemos aqueles períodos em que tudo parecia parado e o mundo congelou por alguns quase anos. Mas eu também preciso falar um pouco sobre todo o tempo em que as coisas pareciam uma coisa e na verdade eram outra.

Aquele dia que eu escrevi vários textos e algumas partes de um roteiro no bar que também era pizzaria e fiquei feliz com o cheiro de pizza artesanal quente e fresquinha, por exemplo – você sabe, era sobre uma outra coisa completamente diferente de fome.

É que em geral, mesmo quando o tempo passa rápido, ele está nos dando algumas chances.

Algumas chances de nos atrelarmos à cheiros inigualáveis, lembra? Segurar seu sobrinho na sala de maternidade e saber que justo ali, bem naquele momento, cabelo cor de rosa e tudo o mais, o tempo parou – às vezes pequenos coraçõezinhos batendo dão sentido às grandes coisas acontecendo no mundo.

Algumas chances de ficar sem ar, ter palpitações e buscar um último respiro profundo num peito paralisado de medo antes de descer de um avião em solo estrangeiro pela primeira vez. Quando eu vivi isso tinha apenas 16 anos, e mesmo 12 anos depois aqueles curtos segundos respirando o ar inglês, tão mais gelado mesmo em julho, transformou toda a minha essência. Por que não é sobre o tempo que passamos vivendo uma coisa ser longo. É a relevância que aquele tempinho – ou tempão – esculpe na nossa história.

Em 2015 minha mãe encontrou uma costureira no nosso bairro para fazer meu vestido de formatura, sete anos depois eu visto um vestido que eu desenhei pra ela costurar pra mim, e faço um ensaio em New York, onde eu jamais estaria se não fosse por ela. Cloto, Laquésis e Átropos se regozijam em algum lugar do imaginário.

Foi no meu aniversário de 28 anos, que passei no Central Park comendo bolo da Magnólia Bakery, de boina beige e ouvindo Taylor Swift, posando ao lado de postes de luz e me lembrando de Lucy Pevensie, que eu reparei o quanto essa passagem do tempo, às vezes sutil e às vezes escancarada – óbvia – nos empurra, nos remexe e nos transforma. Não para que creiamos ter tempo de menos, mas para entender tudo que até aqui nos tornamos exclusivamente por conta das experiências que esse tempo todo que passou, nos submeteu. E ainda assim aquele aniversário foi sobre uma porção de outras coisas além de postes e bolos e vestidos.

Eu sempre vou me lembrar daquele primeiro dia na Inglaterra, e sei que minha vida teria tomado um rumo completamente diferente se eu não o tivesse vivido – com toda aquela chuva, choro e o coro de dopaminados pela literatura de um bruxinho com cicatriz na testa . Mas tiveram outros, outros dias que aparentaram ser sobre pizza de atum e na verdade eram sobre família. Outros qua pareciam muito ser sobre uma quarentena no México mas eram sobre coragem.

Todos aqueles dias trabalhando em uma loja de doce judia – eram sobre sonhos. Todos aqueles dias sentada numa carteira de escola, na rua Terezinha Segadães – eram sobre amizade. Aquele porção de sábados comprando um drink e ganhando uma pizza em um bar irlandês em Asbury Park que acabaram sendo sobre amor, e aqueles três dias memoráveis em museus na Irlanda – onde venta demais – que se provaram ser sobre realizar sonhos (e dar risadas realizando-os)!

Tanta areia e gorjetas em Arraial D’Ajuda, nos dias mais difíceis que eu achei que poderia ter vivido – até 2022. Todos os cafés e croissants do Bloco G1, também do macarrão montado na hora do 5R, os gritos de TRUCO na calçada da escola, e cada uma dessas coisas era, em realidade, sobre outra.

Foi tanta coisa que na verdade é como se o tempo tivesse passado devagar.

Eu nem sempre acredito que na verdade faz apenas 28 anos. Todas as aulas que eu dei, todos os textos que escrevi, todos os caras que já me decepcionaram, e todos os corações que eu já parti – inclusive o meu, inúmeras vezes. Os meus 01 de Janeiro colecionáveis assistindo Vovozona com a minha melhor amiga hoje são dias que passo dormindo, descansando da fatiga de uma vida de imigrante. E isso também não é exatamente o que à princípio se indica.

Estar longe da vida que por toda a vida conhecemos é cansativo, requer um constante estado de alerta, de cuidado e de flexibilidade que é exaustivo. Mas se constrói outra vida enquanto isso, e eu acho quase sempre que ter a oportunidade de imaginar, reinventar, criar e construir coisas que não existem é a melhor habilidade que Deus me deu – e a maioria das coisas não parece ser sobre isso, mas é.

Falo aqui da sexta casa que eu tive em solo americano. Tem brinquedos de um bebê que não é meu por todo lado, palitos de sushi onde escrevo, quase sempre muita louça na pia e um cachorro que eu não escolhi latindo sempre que eu chego em casa 4 da manhã do meu trabalho para o qual nunca me formei. Absolutamente todos os aspectos dessa casa – dessa vida – são impensáveis e quase absurdos para uma realidade de comer croissant no bloco G1, ou sentar em carteiras naquela escola da rua Terezinha Segadães.

Mas construímos.

Derrubamos e construímos, e esses destroços também contam história.

A quantidade de entulho que jogo fora é cada dia maior. A quantidade de destroços resgatados também. Eu acho que de alguma forma o que eu vou sempre encontrar formas novas de me lembrar, de forçar a mim mesma pra nunca esquecer, é que a única obrigação é saber o que fazer com o tempo que me foi dado.

A amiga da minha mãe lá da igreja teve bebê esses dias, comprou uma casa nova ao invés do apartamento que morava antes. Ela faz bolos caseiros infinitamente melhores do que a Magnolia Bakery, e espero ter mais tempo ainda de construir uma vida que seja tão tão minha a ponto de poder comer esses bolos outra vez.

É, Blair Waldorf, tinha mais que isso, dá pra acreditar?