Essa não é uma história de uma mulher gorda fracassada que emagrece e então sua vida melhora. Sabendo que esse formato de uma protagonista acima do peso, engraçada e insegura já não funciona mais, o escritor-diretor Paul Downs Collazo, em sua obra de lançamento Brittany runs a Marathon (2019), leva sua protagonista adiante, ou devo dizer mais fundo? Inspirado em uma história real, você vai sentir que a história é real; porque ela é mesmo, talvez até seja a sua história.
Digo levar a protagonista mais fundo porque esse filme é claramente uma jornada de auto conhecimento e transformação de dentro pra fora, muito antes de ser uma história de body shaming sobre perder peso e então se realizar, ele vem para mostrar algo que sabemos na teoria, mas frequentemente esquecemos; É preciso mudar a forma como nos enxergamos, muito antes de pensar sobre o que significa a forma que o mundo nos vê.
Apresentando Jillian Bell em seu primeiro papel protagonista – o qual ela tira de letra – conhecemos Brittany Forgler, uma mulher de 28 com uma vida recheada de hábitos autodestrutivos que se vê forçada a mudar sua rotina e mentalidade antes que sua saúde cobre um preço pela bebida diária, o uso esporádico de drogas, a falta de exercícios e cuidados com o corpo, os péssimos hábitos alimentares, e, principalmente, a mentalidade displicente e sem atenção para consigo mesma de que ser amada é uma condição que alcançamos quando oferecemos ao outro exatamente o que ele espera/precisa.
Brittany não é uma personagem de personalidade agradável ou de convivência leve, e talvez por isso você não sinta empatia imediata ao conhecê-la. Ela não está ali porque é fácil estar com ela ou gostar de sua presença; em verdade ela se odeia e vai fazer de tudo para provar que tem bons motivos pra isso, o que torna estar com ela naqueles momentos iniciais em que ela não suporta estar consigo mesma, uma tortura. E é fascinante passar por isso porque já fomos ou somos ainda um tanto quanto Brittany, e toda a percepção do quanto ela se esforça pra se destruir faz com que apontemos esses comportamentos e condenemos-os; nela e em nós.
Iniciar o processo de preparação para correr a Maratona de New York (42km que se estendem por quase a cidade toda), é o que dá o estalo em Brittany e isso muda suas ações e a forma com que ela encara sua vida; e qual papel ela ocupa nela. Ela perde peso, sim, chegando a se tornar obcecada com a corrida, a endorfina e os resultados – o que nos leva a conhecer seu pior lado e suas motivações enquanto uma garota que passou toda a vida carregando sobre seus ombros o peso de não se encaixar na sociedade devido ao formato de seu corpo, muito mais que o peso apontado pela balança.
Quando encontra a corrida, e as pessoas que esse esporte aproxima dela, Brittany é forçada a encarar questões pessoais de seus relacionamentos e a forma como ela se envolve com as pessoas. Há uma cura aqui sendo desenvolvida ao longo da história quando essa personagem solitária, autodestrutiva e inconsequente aprende a permitir que a amem, assumindo responsabilidades e tendo confiança pra mudar muito mais que o número de seu jeans. Atravessar a linha de chegada, é, para Brittany, mais do que sobre ser magra ou se sentir bonita e desejada; é a concretização da maior meta que ela já se propôs a cumprir, se dedicando meses e meses a fio para realizar isso.
Com o toque certo de comédia e drama, êxtase e revolta nos momentos certos, A Maratona de Brittany é um filme brilhante, muito mais que uma mensagem body positive de aceitação sobre um corpo; é uma história bem delineada com começo, meio e fim sobre as coisas que colocamos valor, tempo e empenho e quais motivos temos para empregar tanta dedicação a isso – sejam elas coisas boas ou ruins. Os personagens secundários muito ricos, a direção acertada e bem feita, e o roteiro afiado e preciso vão fazer você derramar algumas lágrimas e amar toda a história de vida de uma personagem que até 60 min atrás você julgava e condenava – quase como você faz diariamente com você mesma?
Você vai amar palpitar e julgar – e então entender e torcer – as escolhas de vida dela desde o primeiro quarteirão que ela corre e você começa “Não com esses tênis, né Brittany?” até o fim de sua jornada para se tornar não apenas uma maratonista, mas uma pessoa capaz de assumir responsabilidades e fazer escolhas confiantes e saudáveis.
Brittany runs a Marathon (2019) tem 86% de aprovação no Rotten Tomatoes e está disponível no Amazon Prime. Se você já teve o prazer de conhecer Brittany, me conte aqui nos comentários o que achou, e se não teve, pegue sua taça de vinho e vá se emocionar com essa história mais velha do mundo, totalmente atual e contextualizada que apesar de seus clichês vai te emocionar como se você nunca tivesse visto um filme sobre em corpo e aceitação antes.