até perder o fôlego

Dia 7 de julho de 2020
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Sobre Textos

Ainda num outro dia eu estava pensando sobre a perspectiva que a quarentena coloca nos nossos sonhos. É justo dizer que só serei feliz quando chegar lá – um lugar pré determinado dentro de cada um – porque o aqui não é o suficiente para mim? Mas e se o aqui for tudo que houver? E se eu tiver que ficar aqui por muito tempo, e não houver outro lugar pra ir? E se todas as fronteiras estiverem fechadas, e se a minha única companhia for eu? O que eu faço com isso? Pra onde eu vou?

E me pareceu – realmente mesmo – que era bobo tratar dessas coisas. Me entenda, eu sou muito lúcida sobre quem eu sou vs onde estou vs onde quero chegar vs quem quero ser – e nenhuma dessas descobertas foi uma coisa fácil. Estou constantemente tomando decisões, todos os dias e também deixando de tomá-las, de acordo com o quanto elas me aproximam do meu objeto, aquele, no qual eu ainda não cheguei.

Mas no início da semana uma amiga me perguntou como eu faço para ser como você? Como eu faço para ter certeza do que importa pra mim, e nunca me afastar disso? E a resposta muito óbvia é, quando uma coisa importa ela é a única coisa que pode ser feita. Não parece, na maior parte do tempo, como se eu tivesse outra escolha além de realizar meus sonhos porque a única outra alternativa é viver em um mundo onde eu não sou aquela que os conquistou; e os viveu e chorou e sobreviveu a tudo que o processo de chegar lá requer.

E isso pode parecer muito ridículo, mas eu sou apaixonada pelos processos. Eu amo o caminho, a trilha, a jornada. É muito maravilhoso, como alguém que voltou a fazer aulas de circo após 3 anos parada, acompanhar em 2 meses a minha melhora, como se eu sempre tivesse conhecido e meu corpo sempre soubesse a forma de executar certos movimentos. Por que seria diferente com todo o resto?

Ao começar um emprego novo não serei tão boa quanto posso ser daqui 2 meses. Ao escrever o primeiro rascunho de um livro, nunca serei tão boa quanto na última revisão. Ao caminhar ao redor do meu quarteirão no primeiro dia nunca serei tão boa quanto posso ser correndo um maratona. A excelência, por definição em si mesma, exige superioridade. O que, por sua vez, só pode ser obtido em comparação com alguma coisa; logo, é preciso começar ruim para se tornar bom.

E poderia parecer que isso não tem a ver com nossos sonhos. Pode soar como se ser bom fosse uma coisa e conquistar coisas que determinam a própria essência da nossa alma, fossem muito diferentes. Mas é que não são. Porque nos limitamos ao que sabemos e fazemos com excelência, temendo jamais ser boas – ou tão boas quanto – em outra coisa.

Isto é, quando somos capazes de reconhecer que na verdade somos sim boas naquilo e não foi apenas um delírio coletivo. Mas é que em realidade isso não importa, porque tudo aquilo que eu não sou ainda, eu tenho a possibilidade de me tornar – e me tornar com excelência.

No dia 07/07/2011, nove anos atrás, eu estava às 11:59 da manhã parada debaixo da maior chuva que já me acometeu, na Trafalgar Square em Londres, ouvindo o relógio mais famoso do mundo marcar meio dia. Eu tinha 16 anos, inúmeras convicções, muita paixão e nenhuma preocupação sobre tudo que poderia ter me impedido de chegar ali.

Muitos dias eu me esqueço do quanto foi importante ter sido aquela garota. Meu Deus, e como foi! Mesmo nos dias em que eu me esqueço como foi importante ter sido ela, não são dias em que ter sido ela se torna menos importante. Porque eu sei, graças a ela, que absolutamente todas as coisas são possíveis.

E eu sempre vou saber.

Eu sempre vou achar que garotas de 16 anos podem vender 5 mil rifas de porta em porta, e que não saber inglês o suficiente para achar que sabe não impede alguém de viajar, e que convencer nossa família, pais, de que somos capazes de fazer uma coisa é importante porque significa primeiramente convencer a nós mesmas.

Na verdade, tudo que envolve a minha viagem para Londres em 2011 foi um treino para o resto da minha vida. Realizar uma única coisa impossível significa que todas as outras são tão possíveis quanto. E eu soube disso quando não achei que poderia me formar. Eu soube disso quando meu relacionamento de oito anos terminou e eu achei que fosse morrer. Eu soube disso quando eu perdi quase 16 quilos porque detestava meu corpo – e eu mesma. Eu soube disso quando me mudei pra outro país. Eu soube disso quando fui muito feliz lá e mesmo assim escolhi voltar. Eu soube disso quando me mudei para a minha própria casa, em outra cidade, e fiquei nela por quatro meses seguidos sozinha durante uma pandemia.

Porque eu posso fazer isso.

Não significa que é fácil. Não significa sequer que sou boa nisso. Não há nada nessa jornada que me indique sucesso tanto quanto a certeza de fracasso se eu sair dela. A única coisa que sei é que todos os lugares em que já estive não foram o suficiente ainda para realizar sonhos imensos demais para alguém pequena como eu, e, por isso é preciso, é mais do que urgente a contínua exploração de outras terras. E eu posso fazer isso.

Porque ao meio dia do dia 07 de Julho de 2011, abriu um sol. E eu soube, naquele dia, por alguma conspiração divina, alinhamento de planetas ou graça cósmica sobrenatural, de que aquele era o único lugar possível em que eu poderia estar, e tudo que eu tinha vivido tinha me levado exatamente para aquele lugar.

E se há qualquer outro lugar no mundo onde você precisa estar, esse lugar vai continuar chamando por você. Seja você grande ou pequena demais. Muito ou pouco capaz. Sozinha ou acompanhada, gorda ou magra.

É – ainda é – importante ter sonhos.

E viver enclausurados numa vida que nem sempre identificamos como nossa, por falta de opção em sair dela agora, não quer dizer não sair dela nunca mais. Ainda é importante olharmos pra dentro e nos movimentarmos pra fora. Ainda é importante ter paz com quem somos, sabendo que isso deve ser – precisa ser – o suficiente. Porque essa única certeza é o que faz a chuva parar, o sol abrir, o relógio bater e o coração pulsar.

Àqueles que tem sonhos, persigam-nos. Persigam-nos até o quase colapso dos pulmões que nunca aprenderam a correr. Se preciso pare, e então volte a correr novamente. A chuva sempre para.

Tem um lugar para você onde o mundo silencia, e o universo inteiro se alinha para dizer que aquele é o único lugar possível para você estar. Se você não sentiu isso ainda é porque não chegou nele; isso não é errado, mas permaneça na estrada que mais se aproxima de quem você quer ser, mesmo que não sinta ainda que já é.

E corre pra lá todos os dias, e se cair levante, e então corra mais rápido. Até perder o fôlego, e então continuar.

A estrada é muito mais longa quando não se conhece o destino que se quer chegar. Mas quando se conhece, não importa quão distante ele esteja, se você ainda caminha em direção a ele, você está perto.