Na semana passada eu não dormi muito bem. Não apenas por tantas coisas na minha cabeça me chacoalhando pra realidade sempre que a minha mente começa a descansar, mas também porque era uma semana de lua cheia – morando agora numa casa sem cortinas, o externo altera bastante a dinâmica dos meus muitos internos.
Toda aquela luz entrando pela janela 01:23 da manhã comprometia consideravelmente a sensação de escuridão e solidão necessária para que meu cérebro se aquiete, o que significa que na única noite em que de fato descansei muito bem, foi naquela em que amarrei um cachecol ao redor da minha cabeça para dormir.
Não acho que preciso entrar em detalhes sobre como esses dias tem sido difíceis, preciso? Alguns bem mais do que outros, tantos tão menos que muito e ainda assim o suficiente.
Então, quando eu finalmente dormi e descansei e me esqueci, por um único minuto ao descolar as pálpebras, de que existia amanhã, responsabilidades, datas a cumprir e compromissos eu entendi o quanto é caro o preço que se paga por continuar acreditando.
Em absolutamente tudo.
Não é difícil amar alguém, percebe? É, inclusive, sob muitos aspectos, infimamente mais fácil do que amar a si mesmo. Externo. Interno. Externo > Interno. Até nos lembrarmos.
E, puxa! como a luz lunar coloca em evidência cada caco de coração partido. Acho que o vidro reflete alguma partícula de luz de tudo aquilo que brilha fora da gente.
Eu diria, eu acho, para todos que não dormem, ou não tem seus corações partidos, ou não suspiram aliviados ao descolar uma pálpebra da outra com a mão alcançando o despertador, que é um prazer vir a ter, na verdade, a chance de se segurar bem firme, na última bóia salva-vidas do titanic na esperança de que tudo um dia vai passar.
Na benção de poder ainda acreditar em tudo que está além do que posso ver agora. Na esperança, seja ela qualquer uma que o coração teimoso se aventura a proteger no meio do caos; uma mãe que não conhece nada além de amor, e, portanto, generosamente conta e canta e ilumina – como a própria luz da lua cheia – a vida de uma inocente criança que simplesmente acredita.
A sobrevivência de todos os navegantes cujos corações foram partidos, ainda que naufraguem, está em saber, com todo o coração – e cada parte dele, por menor que venha a se tornar – com todo suspiro de fôlego que resta, que o se afogar ainda é – para sempre permanece – tão parte do velejar quanto o próprio velejar; ainda que o oxigênio venha a se extinguir por completo de um pulmão inundado de águas salgadas. Das lágrimas internas. Do oceano inteiro externo que insistimos em conter. Há sal, e mais e mais sal.
O que me parece tornar as noites de lua cheia ainda mais propensas ao náufrago, com todas aquelas marés e tudo o mais. Com toda luz que colocam sobre o que a escuridão protege e o oculto não teme em dizer que acolhe, porque longe dos olhos não parece tão verdadeiro.
Dos botes salva-vidas em que me atrevo, bem tremendo, com queixos batendo, a escrever isso, eu diria que se você tem esperança é melhor se segurar a ela, mesmo que a sua vida dependa disso. Porque geralmente depende. Eu diria – ainda, e, veja, realmente estou aqui para dizer – do frio mortal de quem sobreviveu às tempestades, que a calmaria às vezes assusta por completo e muita luz sobre o que categorizamos trevas às vezes assusta, por isso tempestade ou outra vem, por vezes, à calhar.
Eu diria, ainda – apenas se pudesse – que é importante embarcar. Mas, mais importante ainda, é saber quem volta das viagens, e amar essa pessoa.
Quanto mais noites insones me encontram, mais iluminadas as estrelas, o céu e eu, com todos os náufragos, pareço a mim mesma.
Até acordar – e sempre custa muito caro, apesar de eu estar eternamente disposta a pagar; o preço das viagens, o preço do despertar, o preço das noites de lua cheia. Até acordar, mesmo que muitos permaneçam dormindo. Acontece que o raiar do sol é amnésico, varrendo pra baixo de toda uma tempestade que afunda barcos, tudo que a luz da mais clara lua insiste, por noites inteiras, em mostrar. E para cada parte que você deve dizer “é destroço”, estarei plenamente acordada para dizer “é remo, bote salva-vidas” – porque parece alternativa melhor do que nunca navegar.
Um bom dia, marinheiro!