Eu poderia dizer que a história dessa foto (de 05 de abril de 2016, o ano mais difícil da minha vida!) e de hoje, 28 de Março de 2024 (o ano mais transformador da minha vida!) começou quando aos 11 anos de idade meu pai me levou forçado pro cinema pra assistir Harry Potter e o Cálice de Fogo e eu parei esse garoto da foto pra pedir pra ele me emprestar uma capa da Grifinória que ele estava usando e deixar eu tirar uma foto com ela. É verdade que eu poderia dizer isso, mas seria mentira.
A história dessa foto começou em 1990 quando uma mãe solteira pegou um trem atrasado saindo da cidade de Manchester até Londres, e ali ela concebeu uma história sobre um garoto bruxo que morava embaixo de uma escada.
Aquele dia 05 de Novembro de 2005 no cinema do Center Shopping de Uberlândia em que eu peguei 3 ônibus pra ir e mais 3 pra voltar, arrastando meu pai a tiracolo, e conheci o Romualdo, foi uma parte consideravelmente pequena da história que já se desenrolava há décadas e décadas.
O Romualdo me emprestou a capa dele pela primeira vez naquela dia. Capa essa que posteriormente em 2011 viria a me acompanhar em Londres quando eu fui ver a J.K.Rowling pessoalmente – sério, são muitos plot twists nesse enredo! Depois disso o Romualdo me emprestou (e apresentou) o fã clube de Harry Potter que ele uns amigos tinham criado. E essa parte é um spin-off todinho em si mesmo!
E, é… eu sei que falei que não era uma história sobre Inglês, mas é claro que é também, né? Afinal, foi por causa de Harry Potter que eu virei escritora e também comecei a estudar inglês. E foi por causa disso também que eu fiz Letras e lá me descobri professora – e foi também no ano da minha graduação, esse ai mesmo da foto, 2016, que o meu amigo Romualdo se despediu de mim pra ir pra São Francisco fazer faculdade de cinema.
Eu fiquei no Brasil com 3 cartas de aceitação de universidades americanas sem ter como pagar as mensalidades, recalculando minha rota e encontrando alternativas pra realizar um sonho que, diferente do falar inglês e ser escritora, não tinha crescido comigo por toda a vida.
Em 2016 eu decidi, logo depois da minha formatura no curso de Letras, que eu queria ser uma coisa que eu não tinha a menor ideia de como eu ia me tornar: roteirista.
E assim começou uma jornada minha que, assim como todas as mais importantes que eu vivi, aconteceu muito nos bastidores. Cursos e cursos sobre roteiro feitos, horas gastas, vídeos e mais vídeos no youtube, leituras de roteiros incansáveis (acho que eu sou a pessoa na terra que mais leu o roteiro de Divertidamente e o Gigante de Ferro!)
E o resultado foi que…. Eu achei que seria mais rápido.
Eu achei, em 2018 quando cheguei nos EUA pela primeira vez, que eu poderia trabalhar um ou dois anos e ter o dinheiro pra pagar alguma daquelas 3 faculdades que agora já há dois anos me mandavam emails perguntando quando eu ia aceitar a vaga.
Não aconteceu daquela forma. Também não aconteceu 2 anos depois quando eu tentei voltar pros EUA com uma bolsa de estudos no meio da pandemia. E nem em 2021 quando eu tentei com as minhas forças ganhar muito dinheiro e pagar sozinha as mensalidades da faculdade que a maioria dos pais americanos guardam por décadas pra pagar pros seus filhos.
Também não aconteceu em 2022 quando eu fiquei muito doente e quase desisti de tudo que vinha tentando conquistar agora já há 6 anos, e nem em 2023 quando eu comecei a enfrentar as minhas maiores dificuldades financeiras desde a adolescência. Mas aconteceu em 2024.
Hoje, no dia 28 de março de 2024, pra ser mais precisa. Eight years in the making. Hell! Way more than 8 years, afinal, é uma história que começou em 1990 com uma mulher num trem.
Às vésperas do meu aniversário de 30 anos, eu, Carolina (Santana de nascimento, McKinnon de coração), escritora de fantasia número 1 da amazon na categoria “literatura fantástica” por mais de uma semana, fluente em inglês e PROFESSORA de inglês, imigrante saída do Custódio Pereira pra morar em New Jersey, me tornei roteirista.
Escrevi professora em maiúscula porque eu não acho que eu consiga expressar o p*ta orgulho que eu tenho de ter sido capaz de aprender inglês sozinha sem nunca ter feito aulas num cursinho, mas também de ter arrastado minha bunda lá da periferia pra uma faculdade onde me ensinaram a ensinar outras pessoas. PROFESSORA. De uma língua que eu nunca pude aprender.
Roteirista. Sem nenhum dinheiro pra pagar faculdade na California. Até hoje troco emails com eles – que não desistiram de me receber lá apesar de todas as desculpas e prazos que eu já pedi ao longo dos anos.
Como isso aconteceu? Por causa desse cara que você viu antes. Aquele que me emprestou uma capa da Grifinória quando eu tinha 11 anos na fila do cinema. Romualdo virou diretor, e me transformou em roteirista no processo. E doeu, doeu muito.
Ele me convidou pra fazer um roteiro pra ele dirigir e eu aceitei, mesmo sem ter a menor ideia de como fazer na prática (na teoria sabia tudo). Eu não escrevi Small as a pea porque eu era roteirista. Eu sou roteirista porque eu escrevi Small as a pea.
Mais de um ano e meio. 60 versões (não é exagero, eu gostaria que fosse)! Olha como ele disse: preciso de uma história de 12 páginas com no máximo 3 personagens, sem cenas externas e sem crianças. ????
Que que eu entreguei pra ele? Um longa de 67 páginas de uma animação com 8 personagens dos quais 2 são crianças. ????
Ele disse: não posso fazer animação, é mto caro. Longa então? Nem pensar! Faz um curta pra mim de 5 min. Eu fiz. Ele dirigiu, passou na matéria. Agora faz outro, 12 páginas com no máximo 3 personagens, sem cenas externas e sem crianças.
Não consigo, Romualdo. Não consigo contar uma história em 12 páginas, você já viu como eu escrevo? Volta nesse blog, cada textão! As histórias que decidem seus tamanhos, não sou eu!
Foram umas 4 aulas de 2 horas que ele teve com uma professora que lia os roteiros e me detonava. Isso aqui tá uma BOSTA! Quem escreveu isso não é roteirista, como deixa passar uma coisa dessas?
Ela tava certa! Eu não era mesmo. Ela nem sabe, mas ela me tornou uma.
Ele gravava as aulas escondidas pra eu ter os feedbacks. Apaga, escreve, detona, corrige. Desiste, volta, compra livro, lê, apaga, escreve. Até 5 dias atrás eu tava editando roteiro. O ultimo arquivo que mandei chamava “acaba logo pelo amor de Deus”.
Foram 15 páginas, 5 personagens – dois dos quais criança – e três cenas externas. E quer saber? Deu muito certo!
Eu já passei por muita coisa difícil na vida. Não me acho especial por isso, todo mundo também passou. Mas tem uma historinha que eu conto pra mim mesma que me permitiu passar por um processo difícil à beça, que foi o processo de me tornar roteirista.
É essa a historinha: se eu consegui fazer a coisa mais impossível do mundo que foi ver a J.K.Rowling em Londres com dinheiro de rifa vendida de porta em porta e uma capa emprestada de um amigo que eu conheci na fila do cinema, eu consigo fazer qualquer coisa.
Daí em 2016 eu contei essa historinha pra mim mesma quando passei por um término de namoro que me destruiu por inteira. Ai em 2018 quando eu precisei terminar meu primeiro livro de romance eu contei outra historinha pra mim mesma, eu me convenci de que se eu tinha superado aquele término eu podia escrever um livro.
Depois em 2019 quando eu tive que voltar dos EUA onde eu tinha sido o mais feliz da vida até aquele momento, eu contei pra mim mesma outra historinha. Eu me convenci de que se eu tinha escrito um livro que ficou uma semana como mais vendido de fantasia da amazon, eu podia voltar pro Brasil e ser feliz ali.
Em 2020 quando eu não consegui a bolsa de estudos eu me convenci de que se eu tinha conseguido voltar pro Brasil e ser feliz ali, eu era capaz de fazer qualquer coisa, inclusive dar um jeito de voltar pros EUA.
Quando eu finalmente voltei e ter o emprego que me permitiria juntar dinheiro suficiente pra pagar a faculdade me custou minha saúde, eu me convenci de que se eu tinha visto a J.K.Rowling com dinheiro de rifa, superado um término de namoro que me destroçou, escrito um livro, e tantas outras coisas, eu podia fazer qualquer coisa – e ser roteirista sem aquele emprego.
Talvez foi por isso que eu tenha ficado tão boa em contar histórias. Porque eu tô sempre contando pra mim mesma a historinha do que eu quero viver, e todo dia eu repito, até ser realidade.
Muitas vezes não foi, e pra cada uma delas eu escrevi uma história. Pra algumas um livro… pra outras posts num blog. E agora, pra essa, pequenininha que nem uma ervilha, um filme.
Eu voltaria atrás não pra falar qualquer coisa praquela Carol de 11 anos. Mas só pra observar ela parando um estranho na fila do cinema pra pedir ele pra tirar do corpo uma capa da Grifinória. Ela tinha muita coragem.
Eu voltaria só pra ver eles fazendo história juntos. Eles e seus amigos. Por anos e anos e anos, repetidos natais um depois do outro. Nenhum conselho e nem arrependimento, voltaria só pra assistir a história mais linda que eu já escrevi, que foi a que eu vivi por todo esse tempo não só com o Romualdo, mas com cada um que também me convenceu que eu podia fazer inúmeras coisas que eram (e algumas ainda são) impossíveis.
Eu amo uma citação que é “O adulto criativo, é a criança que sobreviveu.” Mas não foi só que a J.K.Rowling tirou um garoto com cicatriz de raio na testa de debaixo de uma escada e levou ele pra ver a magia do mundo. Ela também me tirou. Dos medos, daquele bairro onde eu vivia cercada com meus livros, da faculdade onde todos falavam inglês com confiança e eu falava também… mas só que errado. Aquele menino sobreviveu, mas foi graças a ele que eu, e também o Romundas, vivemos (aventuras e aventuras!)
Small as a pea é meu segundo curta-metragem como roteirista. Ele é maior e mais especial que o primeiro, porque ele deu mais trabalho e eu não escrevi ele com tinta, mas com suor e sangue. Ele também é especial demais porque conta a história de um garoto de 11 anos que acredita em sonhos impossíveis e luta contra si mesmo e o mundo para conquista-los apesar das dificuldades – e qualquer semelhança com a vida real é mera coincidência.
Ele começou a ser gravado hoje, e em breve você vai poder assisti-lo. Talvez você ame, talvez você deteste. Talvez você pense que a ideia é boa mas eu não soube contar.
A verdade é que não faz diferença. Porque o fato foi que eu o escrevi – e isso mudou tudo, para sempre.