Adeus, Homem de lata!

Dia 21 de setembro de 2025
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Sobre Textos

Se você não sabe o que as palavras “Igora 7.7” significam talvez não entenda isso, mas eu já quis ser bailarina (e acho que de uma forma ou de outra isso me tornou escritora).

É verdade, desde criança imagino histórias e crio mundos fictícios, mesmo antes de saber o que “Igora 7.7” significava ou de querer ser bailarina. Tenho cara de quem cultivaria um jardim morto em segredo com minha amiga órfã até meu pai voltar pra casa, ou de quem entraria num guarda-roupa empoeirado para encontrar um mundo coberto de neve e faunos flautistas que tomam chá. Faria isso mil vezes e ainda bateria o pé contra meus irmãos quando me chamassem de louca.

Entre sair das aulas de balé porque meus pais não tinham dinheiro para a fantasia de fim de ano (eu seria o Homem de Lata!) e roubar a bolsa do professor substituto quando ele confiscou meu caderno de fanfics, eu tingi o cabelo de vermelho em busca do ruivo perfeito — aquele que me faria sentir como a protagonista das histórias que eu escrevia ilegalmente na aula de matemática.

Continuei, claro, imaginando mundos. Agora sem dançar balé, mas ruiva.

Continuava, sem dúvida nenhuma e para todos os efeitos, disposta a voar com a minha casa inteira via tornado pra uma terra distante, matar uma bruxa pousando minha casa em cima dela e andar quilômetros num salto n5 na companhia duvidosa de um pessoal estranho que encontrei no caminho. Mas também continuava sem dançar balé, e escrevendo fanfics num caderno velho e perseguindo o ruivo perfeito.

E veio ela: a Igora 7.7.

A numeração da tinta que usei por anos na faculdade, quando já escrevia menos fanfics, mas ainda imaginava aventuras. Teria, com absoluta certeza, formado um comitê estudantil com meu amigo órfão mágico e voado em cavalos invisíveis para salvar seu padrinho ameaçado de morte. Cabelo laranja, varinha na mão — e fui.

Depois cortei o cabelo, quase rapado. Alguns livros escritos, algumas viagens feitas e um coração estilhaçado depois. Não partido — estilhaçado. E várias visitas a Nova Iorque para tomar café com meus seis amigos prediletos enquanto também escrevia minha história.

Eu fui tantas protagonistas. Desde o cabelo até os sonhos: de bailarina a arqueóloga, de arqueóloga a comissária de bordo, de comissária a roteirista. Ruiva em algumas, quase careca em outras, escritora em todas, corajosa e sonhadora em absolutamente todas.

Cada versão de mim cuidou do que pôde. Todas me amaram muito, e tenho orgulho de cada uma: da que voou de pó de pirlimpimpim até a Terra do Nunca e voltou, da que nunca se despediu de seus garotos perdidos, da que chorou por não ser o Homem de Lata, da que vendeu rifas para viajar e conhecer lugares mágicos. Elas também, com tintura no cabelo ou sem, de chapinha ou cacheada, elas também.

Elas também foram corajosa, elas também cuidaram de mim, elas também me dão orgulho. Foram muitas. E eu fui todas — das de tinta e papel às de carne e sangue. Todas corajosas, todas estilhaçando corações, todas com sapatilhas velhas num armário empoeirado.

Escrevi cada uma dessas histórias. Vivi todas essas aventuras e tantas outras que ainda quero tirar da carne e sangue para transcrever em tinta e papel. Quem sabe assim você as conheça.

Quem sabe assim você viaje com elas. Como eu viajei com as demais. Às vezes via trem, as vezes via avião, as vezes via imaginação – com e também sem o pó de pirlimpimpim. A questão do pó de pirlimpimpim, não sei se você sabe (todas as garotas que eu fui sabiam, mas vale falar), é que você precisa acreditar que pode voar. Sem crença, sem vôo.

Por causa disso talvez você prefira uma coisa mais local, tipo pegar o carro em Minas e descer pro litoral do Espirito Santo. Eu não julgaria. Mas uma coisa é fato, seja tomando café em Nova Iorque com meus seis melhores amigos, dando nó nas orelhas de um coelho azul num bairro que tem nome de pomar ou apenas escrevendo a minha própria história (com sapatilha no pé ou sem, isso não faz diferença!), a vida fica melhor em qualquer versão quando a gente acredita que pode voar.

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Fotos do post foram feitas no Gemini AI enviando uma foto antiga com uma atual e o seguinte comando:
Crie uma imagem tirada com uma câmera polaroid. A foto deve parecer uma foto normal, sem um objeto ou propriedade clara. A foto deve ter um leve desfoque uma fonte de luz consistente, como um flash em um um quarto escuro. Espalhada por toda a foto nao altere os rostos ou sorrisos e faça com que se abracem. Mude o fundo atrás das duas pessoas para uma cortina branca. (E é bem viciante).