O preço da magia de levitação

Dia 17 de dezembro de 2017
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Sobre Textos

Eu me lembro de quando eu comecei a me apaixonar por ele. Eu lembro claro como a luz do dia, e eu não me confundo com nenhum outro sentimento que talvez pudesse ter sido, porque fazia tanto tempo que eu não sentia nada como aquilo que quando veio eu não poderia ter errado o nome.

E eu sei, hoje ele não vem. Mas mesmo sabendo que ele não vem eu não posso evitar desejar que ele viesse.

E eu lembro de perceber que ele me admirava. Foi como respirar uma lufada de vento muito intensa depois de correr quilômetros e quilômetros até sentir o peito arfando. Não é que eu não saiba o meu valor (porque sei), mas há um quê de magia em ouvir da boca de outra pessoa que ela te acha incrível. E eu não me lembro de ouvi-lo dizer isso, mas eu sei que pensava, porque tragava cada palavra que eu dizia, cada história que eu contava e cada besteira que saia da minha boca como se fossem a coisa mais interessante que tivesse ouvido em meses.

Nada disso foi o suficiente pra fazer com que ele viesse hoje. E por um lado tudo bem.

Em partes porque eu estava apavorada, em partes porque eu sabia que o meu pavor não teria me impedido de saltar diretamente para seus braços – só Deus sabe quão longe se pode voar no minuto em que nossos pés saem do chão -, e em partes porque eu sabia que ele não teria sabido o que fazer com todo aquele sentimento. O amor é a própria magia, e toda magia vem com um preço. Às vezes o preço é permitir que feitiços antigos sejam desfeitos para que o encanto das borboletas no estômago perdure por mais tempo, mas parte do pavor é entender que por vezes o preço que se paga pelo orgulho é matar as borboletas e impedi-las de voar.

Eu sei, hoje ele não vem.

Poderia ter vindo, mas isso teria significado uma série de feitiços novos e aceitar que para recomeços acontecerem é necessário finais – para alguém que passou a metade da vida sob a mesma rotina mágica de amor com outra pessoa é difícil enxergar os encantamentos de uma nova magia com carinho. Não quer dizer que eles não estejam lá, os encantamentos que o amor causa, é o que quero dizer.

E eu sei que ele precisa de um tempo para colocar a cabeça no lugar e se adaptar a uma vida sem faíscas douradas se acendendo ao tocar de dedos. No fundo todo nós precisamos entender que para ser capaz de fazer a magia acontecer é necessário aceitar que somos apenas pessoas ordinárias e o segredo da magia é sempre sobre quando ela se encontrar com outro alguém tão comum quanto nós para se tornar extraordinária.

Me lembro de tudo.

Do comentário que ele fez sobre a minha foto. Da mão dele sobre a minha na sala escura do cinema – e de como isso não pareceu errado, mas pareceu a única coisa propícia para aquele momento. De como eu fiquei com as bochechas anestesiadas, de tanto sorrir naquela noite em que ele me fez sentir bem em ser apenas uma garota ordinária falando sobre seus sonhos extraordinários e de como, apesar de apavorada, eu também me sentia radiante por ser novamente capaz de falar com alguém sobre os meus maiores medos.

Houveram faíscas com ele. Ele foi como um feitiço de levitação que lançaram sobre o meu coração numa época em que eu não pensei que fosse mais capaz de voar. E eu sei que ele não estava pronto pra essa magia. Eu sei que ele não estava pronto para tirar seus pés do chão ou permitir que seu peito inflasse a ponto de sair flutuando leve por aí. E eu sei, hoje ele não vem.

Mas eu queria, só dessa vez, que fosse sobre mim e o que eu precisava. Não foi, porque eu acho que nem sempre as pessoas percebem o que o amor delas pode fazer por nós. Não quando elas tem medo do que o sentir vai causar nelas e do quão longe pessoas ordinárias podem ir com uma magia extraordinária em sintonia que tira seus pés para dançar e as faz flutuar.

Às vezes, quando a gente se esquece do que a magia pode fazer e do quanto o amor é capaz nos falta a percepção de quão leve o voo é, mas para quem não sente que ainda pode voar eu preciso lembra-los, de que para cada voo é necessário um salto – e nem sempre há alguém para te pegar lá embaixo, é assim que pessoas comuns aprendem a flutuar pela noite. Às vezes as faíscas iluminam toda a escuridão de um outro céu, mas às vezes voamos sozinhos.

Hoje – eu sei – ele não vem.