Você vai entender depois mas isso também é sobre a Taylor Swift

Dia 4 de agosto de 2025
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Sobre Livros, Textos

O azevinho é uma planta que eu nunca conheci enquanto morava no Brasil. Na verdade, mesmo depois de ter saído de lá, ainda levei alguns anos para ver um ao vivo. A árvore é imensa, os frutinhos vermelhos são realmente fofos, e é natural que ela tenha ganhado tanta popularidade no inverno do hemisfério Norte — onde, depois do fim de novembro, tudo se torna gélido, seco, morto e sem cor.

Mas as folhas… ah, as folhas. Essas verdinhas, famosas por enfeitar cartões de Natal e filmes da Hallmark, são pontudas e espetam doído ao mais leve toque. Pisar numa folha de azevinho descalça é mil vezes mais dilacerante do que pisar numa peça de LEGO largada no tapete — e cerca de 100 milhões de vezes pior do que chutar o canto da mesa com o mindinho do pé. Essas pontinhas miúdas e afiadas, que fazem a folha parecer uma mini árvore de Natal, se enroscam na pele com a força de dez mil agulhas raivosas. Dá até saudade do sempre alegre Zé Gotinha — um ícone, se você quiser saber minha opinião.

Perceba o que acabou de acontecer.

Comecei falando de uma árvore que eu nunca tinha conhecido no Brasil e terminei invocando uma figura tão profundamente costurada na cultura brasileira que só um adulto millennial, com BCG no braço e trauma de chegar sexta-feira e o lanche na escola não ser galinhada, entenderia de verdade. (Desculpa, fiz de novo: mencionei o icônico almoço da escola pública às 9h30 da manhã.)

Por esses poucos parágrafos, caso você não me conheça, já dá pra tirar algumas conclusões seguras:

  •  Eu não moro mais no Brasil.
  •  Mas vivi lá o suficiente para conhecer o Zé Gotinha.
  •  Tomei BCG.
  •  Estudei em escola pública.
  • E odeio o inverno gélido do hemisfério Norte.

Talvez, se você quiser se arriscar, diga que estou contando uma história sem pé nem cabeça. E até se pergunte: “o que raios o azevinho tem a ver com tudo isso?” — Ao que eu responderia: tudo. Absolutamente tudo.

Principalmente com essa história aqui, que é, para todos os efeitos, uma apresentação pessoal de uma imigrante de 31 anos que nunca aprendeu a escrever sem ter uma dor para processar — e até bem recentemente, não conhecia o espinho traiçoeiro de pisar numa folha de azevinho.

Aos 11 anos, comecei a escrever fanfics. Aos 13, criei um blog. Aos 19, criei outro (esse aqui!). Tive um canal no YouTube onde falava, por 20 minutos por vez, sobre as coisas que faziam meus olhos brilharem — quase sempre envolviam um livro, ou o Neil Gaiman… ou os dois. Na aba “Sobre” desse blog, 11 anos atrás, eu me descrevi como apaixonada pela Inglaterra, Irlanda e Itália. Nunca imaginei que acabaria morando nos Estados Unidos.

Com 9 anos, assistia aos episódios inéditos de Friends na Warner. Aos 10, me despedi deles no último episódio ao vivo e comecei a escrever um livro… cuja história se passava em Nova York. Embora pareça que isso não tem nada a ver com azevinhos, tinha tudo.

Minhas personagens, criadas naquela época, precisavam sair do Brasil para realizar seus sonhos. E foram morar na cidade que meu coração inconscientemente ansiava por conhecer. Não tinha nada a ver com a dor de pisar numa folha de azevinho — porque, com aquela idade, eu jamais teria imaginado ver uma árvore de frutos vermelhos que nascem no inverno e cujas folhas espetam feito mini-armadilhas natalinas.

Aos 16, entrei na faculdade de Letras achando que sairia de lá escritora. Aos 20, me formei professora (não escritora). Aos 21, terminei um relacionamento de 8 anos. E foram os muitos textos que escrevi para curar meu coração partido que me fizeram escritora de verdade — mais do que qualquer teoria literária que aprendi em sala.

Porque a dor, essa danada, tem espinhos. E ela, que queima tanto que chega a lembrar uma folha de azevinho se enfiando na pele, AMA escrever com sangue. Mas foi ela que me fez continuar. Sempre.

Até que parou de doer.

Nada mais doía. E já não havia nada que precisasse ser dito. A escrita, cansada de dar vazão a tantos espinhos, se recolheu. Hibernou. Esperando o dia em que pudesse voltar não para curar, mas para brincar. Lá atrás, quando eu tomava BCG no braço e escrevia fanfic escondida dos professores, escrever era diversão. Um prazer. Algo mágico em destrinchar sonhos, medos e esperanças de alguém que não era eu.

Depois virou sobrevivência. E depois disso… nada.

Mas acontece, às vezes, de frutos viçosos nascerem em invernos secos e gelados. Não faz sentido, mas acontece. Às vezes, vêm acompanhados de espinhos — mas ainda assim embelezam a estação.

A escrita, como o azevinho, é assim.

Foi aos 31 anos — imigrante, casada, mãe de gêmeos, com outro CEP, outro sobrenome e sem nenhuma carta escondida em caixas de sapato — que uma nova história me pediu para ser contada. Ela não pedia para curar. Só queria ser contada.

Essa história é divertida, misteriosa, engraçada e inesperadamente profunda — como uma sexta-feira na escola pública onde tudo pode acontecer, inclusive galinhada no café da manhã. Ok, talvez a galinhada não seja assim tão profundo mas a história eu promete que é.

Essa história lembra as fanfics que eu escrevia nessa época — para o completo desprazer dos professores que achavam que eu fazia tarefa de outra matéria.

Essa história é sobre April Winslow. Que sempre foi ótima em criar trilhas sonoras para filmes que não existem, romances que só aconteceram na cabeça dela, e para a vida de sua musa pop, Clara Rose. Ela, neta de um renomado diretor da Broadway, perdida nos corredores de um supermercado em busca de um abacate perfeito — enquanto foge de um passado que a encontrou se escondendo entre os congelados os laticínios. Ela, entre refrões sinceros, cafés derramados, conselhos de uma influencer glamourosa e desabafos com um barista sarcástico, tentando entender se o maior desafio da sua vida é compor a música perfeita… ou se permitir ser a protagonista da própria história.

Ela, que — como eu — tem uma árvore de azevinho na porta de casa, bebe chá de hibisco, e, pela primeira vez, escreve não para curar. Mas para viver.

April vem de Nova York para sussurrar, depois dizer, depois gritar: às vezes, a gente precisa sonhar com os azevinhos — sem saber que espetam — pela simples beleza que eles trazem a um inverno que parecia sem cor.

Para escrever esse texto foi preciso:

  • recolher os estilhaços de 1 coração partido;
  • publicar 2 livros escritos com lágrimas;
  • mudar de país 3 vezes;
  • mudar de sobrenomes 3 vezes (ou quase).
  • parir 2 filhos gêmeos.
  • e dezenas de fanfics escritas à mão numa sala de aula da escola pública.

Mas foi preciso muito mais para contar a história de April Winslow – e eu nem vou entrar na conta de quantas vezes eu pisei no espinho enquanto o fazia, porque como não terminei ainda pode ser que esse número todavia ainda se multiplique. Mas era necessário dizer aquilo que Hayley Williams já sabia. O sangue dessas veias não bombeia mais do que antes, não é que eu não sinta a dor, é so que eu não tenho mais medo de me ferir – e essa é a esperança que eu tenho.

Vocês não sabem o prazer que é estar de volta.

(E a parte da Taylor Swift…
isso você só vai entender lendo a história.)