amanheceu

Dia 24 de dezembro de 2018
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Sobre Textos

Eu penso que teve muito a ver com a forma que eu o ouvi e não julguei. Sabe? Eu não acho que ele estava preparado pra isso. Mas acredito que a maioria das minhas falas tenham soado como as palavras que ele sempre quis ouvir cantadas como um canção de ninar a uma mente cansada; sonolenta; acostumada à muitas noites de insônia pela necessidade de ser o que cuida.

É tão raro ser cuidado.

Achei que não fosse mais escrever textos sobre ele aqui, o que também é curioso, mas o fim das coisas não é nunca menos complicado que o início delas. E o nosso início foi um tanto o quanto… surpreendente. Sim, inesperado até, eu diria. O fim não, o fim foi só o que deveria ser – o que não o tornou mais fácil. Conhecer pessoas é sempre mais fácil do que desconhecê-las.

Mas o problema não foi o nosso processo de desconhecimento – até porque nunca teve. Foi o meu de entender que o sentimento que se sente pelo outro sempre vai ser subjugado pelo sentimento que sentimos por nós mesmos. Na tentativa de esconder quem ele havia se tornado, ele também perdeu a oportunidade de realmente me conhecer, e me amou pelo que eu expliquei a ele que ele era. Mais do que por quem eu era.

Corações partidos frequentemente nos afastam de quem somos; éramos; poderíamos ser. Nos afastam. Ponto.

Sentada aqui no meu bar favorito, usando o wifi emprestado, ouvindo a trilha excelente que resolveram tocar pro Natal – tá em U2 agora – eu penso que eu não fui o caminho dele pra mim, mas o caminho dele pra si mesmo. É tão raro ser cuidado – e meu Deus! como ele precisava e nem sabia. Não que eu ache que eu tivesse tido a obrigação de salvá-lo de si mesmo ou qualquer outra baboseira dessas que fizeram a gente acreditar sobre a responsabilidade emocional de uma mulher sobre um homem. Mas é como uma coisa que não se pode deixar de fazer por alguém quando se sabe que vai levar um tempo até que a pessoa seja capaz de fazer por si mesma. E a gente frequentemente quer dar a quem precisa o que não tivemos quando precisamos.

As pessoas sempre podem andar por si mesmas. Amor não é nunca sobre carrega-las, é mais como dizer a elas que você acredita que elas podem, e, às vezes, em noites de lua nova, indicar uma estrela guia. A minha história e a dele está cheia de estrelas. É a melhor forma de avista-las – noites muito escuras, é o que quero dizer.

Nosso caminho para os outros nunca pode pegar um atalho antes de passar pelo nosso caminho para nós mesmos. Algumas rotas entram em curvas, sobem ladeiras, descem colinas, passam por vilas, condados, masmoras e castelos antes de chegarem no único destino possível em direção à verdade: um clareira de copas altas e verdes onde raios de sol corajosos se embrenham sorrateiros e dourados por entre os galhos e folhas. Um esquilo corre de um arbusto a outro, e, no lago, o reflexo da única pessoa que poderia ter te levado até ali: você mesmo.

Ele achou que não. Achou que essa era a história de dois palhaços se apaixonando numa corte sem dragões para matar e sem princesas em perigo. Ora, contar e ouvir histórias, especialmente as de amor – ou, nesse caso – de quase amor, é, para sempre, reler o livro e olhar para ele com um segundo; terceiro; quarto olhar. Do que era; é; poderia ser.

Em qualquer época do ano eu ainda vou amar essa história. Em qualquer reino, com qualquer trilha sonora, eu sempre vou dizer que é preciso cuidar porque, bem, você sabe… é tão raro ser cuidado. Eu nunca vou olhar para essa história como a história de como ele escolheu cuidar de outra pessoa; e por ela ser cuidado. Mas eu sempre vou olhar como dois bobos da corte vencendo dragões raivosos com ondas sufocantes de fúria – tudo internamente – apontando estrelas na noite escura numa estrada que termina por desembocar numa clareira ao amanhecer, com um lago de águas claras e muito azuis onde a principal pessoa que te vê é também a que te olha. De dentro.

E te cuida.

E é tão, tão raro. Independente dos solavancos na estrada, dos desvios, dos atalhos e especialmente das rainhas coroadas nesse interím, a jornada para si mesmo é eternamente a única que nunca poderíamos nos recusar a trilhar. E seremos ajudados no caminho, e essas pessoas nem sempre vão ficar conosco uma vez que chegarmos ao destino. É necessário trilhar a estrada mesmo que a jornada signifique certos adeus. Às vezes às pessoas que nos direcionaram cantando as palavras que sempre quisemos ouvir numa canção de ninar são as primeiras a dar adeus quando nosso coração finalmente adormece em paz.

Mas ninguém nunca nos carrega, o máximo que fazemos, como eu fiz por ele – e foi raro – foi mostrar que era possível. Eu sei que poderia tê-lo julgado, mas não o fiz. Eu o amei, sim, mas não o salvei. Nem poderia, mesmo se tivesse tentado.

Começou, foi importante. Aconteceu e o fato de ter acontecido foi o que mudou tudo, a história foi real. Não perfeita, só real. E acabou. Ainda assim, como é sempre que somos cuidados, foi raro.

  • dia 29 de dezembro de 2018

    Olá, querida.
    Conforme o combinado no áudio que você ainda não escutou, acabei de ler o texto do dia e estou deixando meu comentário para prestigiar o novo layout. Inclusive, eu queria MORAR dentro deste layout, obrigada.
    Carol. Marlene. Glindinha. Eu amo tanto a forma como você fala sobre o amor, porque eu acredito do fundo do meu coração verde esmeralda que você seja uma daquelas raras pessoas que realmente se esforça para entendê-lo, à maneira que o poeta escreveu. Seja falando sobre relacionamentos, seja falando sobre a vida e como ela é cheia das reviravoltas e das horinhas de descuido, seja me lembrando da benevolência e magnitude de Deus – seja ele quem for.
    Engraçado como, na maioria das vezes, você só precise das pequenas coisas. Estava me sentindo tão exausta. Daí, um filminho leve e excelente + um texto bem escrito por alguém a quem admiro, me deixaram lá EM CIMA DOS HUMORES. Consegui me enxergar em vários pedacinhos deste aqui… i was never the destination, but whatever, it was so nice to feel what i felt; to believe it was possible and for a single moment, to feel cared for.
    It’s so rare, and sometimes we tend to analyse only the critical moments. The things we could have done differently. No. Let’s focus on the big picture and realize: it was rare. and good. and unique. there’s no recipe for how these things should go. and to only be allowed to experiment them is the true treasure.
    Você abre meu caminho para 2019 com esta nova perspectiva sobre o meu coração e, talvez, por consequência, me torna mais sábia, mais pronta. Obrigada, Glinda.
    Beijos,
    Elphie

  • dia 15 de abril de 2019

    Adorei seu blog…
    Aos poucos vou lendo cada texto teu … E mastigando cada palavra… gratidão…❤