carta às mulheres que já usaram camiseta por cima do biquíni

Dia 24 de julho de 2019
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Nos últimos anos falei muito sobre identidade, valorização de quem somos, superação de relacionamentos, de medos e conceitos que tínhamos. Falei sobre amor, amizade, família, jornadas, viagens e descobertas, e enquanto falava e vivia todas essas coisas eu engordava e emagrecia e constantemente me culpava por engordar e me gloriava por emagrecer, como se fosse um lucro. Eu estava errada, meu bem.

Eu fiz uma viagem longa e insana para um lugar longe e diferente que me permitiu ter a oportunidade de me conhecer. Não, quero dizer, de me reconhecer. Conhecer é quando a gente encontra, descobre e conhece alguma coisa que até então se mantinha na ignorância de nossos conhecimentos. Reconhecer é descobrir novamente algo que já conhecíamos antes, quando era diferente, e depois que se transformou não conhecemos mais. Reconhecer faz mais sentido. Combina também com admitir.

Faz muito tempo, bem antes dessa viagem, bem antes desse redescobrimento, que eu entendi que eu jamais teria o corpo da Gisele Bundchen. Na minha adolescência eu não era a mais magra da minha turma, não participava da educação física, corria de todos os esportes em grupo que exigiam as pessoas me verem me movimentando e apesar de tudo isso e do que eu acreditava, do valor que eu botava em todas as essas coisas, eu tinha uma baita vergonha.

Usei por anos saias e vestidos rodados que não marcavam meu corpo. Roupas bem maiores do que meu número, e camisetas largas por cima do maiô quando ousava entrar na piscina. E eu sequer era gorda. Olhando hoje minhas fotos eu sei que, apesar de a minha avó, os meus pais e colegas de sala apontarem meus pratos de comida como exagerados e o número da minha calça como problemático, foram as acusações, muito mais do que o reflexo no espelho, que transmutou a palavra gorda para um sinônimo perverso que eu devia repugnar e temer.

E você, que talvez como eu, já acreditou nessas coisas como eu acreditei… Bem, você chegou até aqui e a mensagem é essa: você está errada em confiar em pessoas que estão erradas. As pessoas não podem te dizer quem você é, muito menos que você precisa ser. Muito menos que você tem que deixar de ser quem é porque o que você é não tá bom.

As pessoas não podem te dizer qual calça você pode usar. E eu sei que faz sentido pra ti que elas façam isso, porque você vai às lojas e as calças não servem, os shorts entalam, os biquínis te dividem em três. Mas o seu dinheiro não vale menos do que o das outras pessoas, você precisa encontrar lojas que saibam disso e vão te vestir como você é, não como você deveria ser se não tivesse comida um pedaço de pizza na quinta feira.

Escuta! Meu Deus, isso está tão errado!

O mundo vai ser cruel com você. Porque o mundo é cruel. Porque as pessoas que estão nele são cruéis. Mas você não precisa ser, tá me entendendo? Você ainda pode ser gentil; com as pessoas; com você. Você ainda pode – você deve!!! – se conhecer e ser capaz de responder “é mentira!” quando alguém te disser que você é uma coisa que não é. Ser capaz de dizer “sou mesmo, e tudo bem.” quando alguém tentar te dizer, tentar te convencer, de que o que você é – mesmo que de fato você seja e eles estejam parcialmente certos – é ruim. Ser capaz de dizer “e daí?”, “ninguém te perguntou.”, “cuide da sua vida”.

Você precisa ser capaz de talvez escolher não dizer nada. Não porque eles estão certos, mas porque estão tão errados que o que dizem não faz diferença.

A aceitação não tem a ver com provar aos outros, mas com aprovar em si mesmo. E olha, eu não posso dizer de forma alguma que eu amo cada coisa sobre mim, porque ainda é mentira. Eu não gosto de não poder comprar roupas em qualquer loja e nem das celulites e também não gosto de sempre ter de usar um short por baixo da saia porque minhas coxas são grossas demais e me machucam se eu andar muito sem algo pra proteger uma da outra. Eu realmente, realmente, realmente não gosto mesmo de nada disso. Mas eu não sou menos eu ou faço menos coisas e valho menos por causa delas.

O meu corpo é uma máquina. Ele faz coisas incríveis que eu preciso para viver. Eu amo isso nele. Eu amo que eu tenha tato e olfato, por exemplo. Eu amo a minha pele, e me dói até hoje quando ela se fere, se abre, se parte, se rala, se mancha. Tem tantas coisas a mais em mim do que a forma, meu Deus. Tem tantas outras coisas a mais em você também.

E mesmo se não tivesse. Mesmo se a forma, se a casca, se o corpo fosse tudo o que existe. Por que o meu tem que valer menos? Não tem. Não vale.

E pode ser que você não possa ir numa viagem longa e insana para um lugar longe e diferente que te permita ter a oportunidade de se conhecer – ou reconhecer – e por isso eu assumo a missão de te dizer essas coisas. Porque a jornada vem sempre de dentro.

Você ainda pode – como eu – encontrar formas de ser saudável e cuidar de você, que envolvam tratar sua mente e não punir seu corpo. Você ainda pode encontrar formas de ser melhor, de estar em forma, de subir montanhas ou só a escada até o terceiro andar sem ter dores no joelho. Você ainda pode não ver a comida como sua única e exclusiva fonte de alegria – ou culpa. Eu espero que você faça essas coisas.

Como também espero que enquanto faz não espere vestir o biquíni da Gisele Bundchen e também não se culpe por não vestir. Há um grande sabotador para gordos falando sobre emagrecimento, que é o fato de que não acreditam que podemos ser como ele, como ela, como a Gisele Bundchen. De fato não podemos. Mas por que seríamos? Somos só nós.

Eu quero ser eu. Capaz como eu. Escalar montanhas – ou a escada até o terceiro andar – como eu. O emagrecimento não precisa ser a meta, também não precisa ser o inimigo – há muitas circunstancias em que ele é não apenas relevante, mas necessário. Mas eu espero que independente de passar por ele ou não, você faça do seu jeito. Por sua causa. Do seu padrão. Entendendo os porquês e as motivações e buscando corpos reais, funcionais, saudáveis, vivos. Não que façam ou se pareçam com o que o outro corpo faz e se parece, mas com o que você faz e se pareça.

Você mora no seu corpo tanto quanto mora na sua casa. No seu bairro, no seu país. Quando eles não são mais seu lar e não atendem mais as suas necessidades você pode mudar. Você pode pintar paredes, pendurar quadros, jogar fora caixas e entulhos inúteis. Você pode fazer tudo isso por si mesmo se você quiser mas você não precisa porque alguma outra pessoa fez ou disse.

E você pode também, inclusive, usar camiseta na piscina, não tem problema. O problema é ter vergonha. O problema é querer ficar no fundo das fotos, ocupar menos espaço. O problema é se achar tão grande a ponto de se tornar invisível.

Eu sei que talvez pareça que o seu corpo não é bonito, não merece ser aceito ou amado. Talvez não resolve ainda eu dizer que ele é bonito, mas vou dizer então que mesmo se você não o achar bonito – e você está errada! – saiba que ele ainda é muito, muito, muito mais do que só bonito, só gordo, só magro, só “muito longe da Gisele”.

Ele é bonito, mas melhor do que isso, ele é seu e por isso só posso concluir que é o melhor corpo do mundo.

C.S.Lewis, aquele a quem amo profundamente e o dono dessa mesma frase que já usei aqui anteriormente, disse que você não tem uma alma, você é uma alma. Você tem um corpo. Mas eu diria ainda que, também por tê-lo, há tanto mais que se pode ter.