Não vou mentir, achei que seria fácil.
Sim, eu sei. Ninguém disse que seria fácil, mas vai da minha natureza procurar o lado bom, a coisa prática a ser feita, o jeito melhor de resolver. Não sei se me habituei a constantemente olhar para dentro e sentir que em comparação com o externo, tem alguma coisa não encaixando – e então alguma coisa precisa mudar.
E mudo.
De cidade, de emprego, de cabelo, de casa, de namorado. Mudo de novo e de novo, e ainda parece alguma coisa não combinando, e então quero mudar outra vez pra ver se em algum lugar nos muitos adeuses e passados fica essa insatisfação.
Às vezes dá certo, mas nem sempre. A transformação é como uma substância que seu corpo quer sentir. Saber que você é quem precisa ser, está onde precisa estar, encontrou um lugar onde há sol e calor e alegrias e as coisas por algum motivo misterioso no meio do olho do furacão ainda façam sentido.
E elas fazem. E assim é fácil – não a transformação, essa daí é sempre cara, apesar de eu amá-la. Não, não a transformação. O resultado dela.
Eu acho que eu poderia entender algumas coisas, então, pra facilitar toda a dificuldade de quando as coisas não fazem sentido, já que com mais frequência do que eu admitiria, elas deixam de fazer.
Eu mudo, sim. Mas em geral o problema não é esse silêncio, mas as muitas palavras cujo significado e peso eu não conhecia antes de dizer. Eu sabia tanto e proclamava minhas razões, mas o quanto tive que transformar antes de uma verdade se encaixar; às vezes mentimos. Nem sempre para proteger o outro, é quase sempre para nos proteger, especialmente quando não sabemos do quê.
Foram algumas ponte aéreas, um namorado e inúmeras cartas queimadas que me fizeram saber menos e menos até aprender isso. Não vou mentir, achei que seria mais fácil.
Mas, entenda! O que eu senti foi real. E eu ainda preciso desaprender muito mais para fazer sentido, porque ninguém mais sentiu tanto como eu naquele dia. Senti. Muito. Ainda sinto, especialmente quando os selos perdem a cola, os carimbos no passaporte vencem, o endereço na rua é outro, e ninguém me ajuda a segurar o lençol de elástico num lado da cama de casal para puxar na outra ponta.
Meu Deus, eu sei! O olho do furacão é muito confuso. Acredite, eu sei! Eu estive lá, eu me revirei toda, eu morri sem fôlego tentando encontrar meu eixo, eu… Eu fui o furacão.
E eu não sabia quão grande era o meu raio de destruição. Eu não sabia quão trabalhoso seria reconstruir. Eu não sabia que mesmo na tempestade o olho do furacão é também o lugar mais seguro para se estar. Calmo até, comparando com o lado de fora. Acho que tem essa coisa de quando conseguimos concentrar muita energia e força para sair do nosso centro e expandir – mas o quanto consumimos no trajeto? E para onde, exatamente, estamos indo?
Como eu disse, eu achei que eu sabia mais, mas ainda preciso desaprender muitas coisas pra ser assim tão vulnerável e me desmanchar quando a tempestade passar – ou se transformar em outra coisa – sem ter medo de todas aquelas e outras palavras cujo significado e peso eu agora já conheço.
E foi devastador não ter sabido disso – porque achei que seria mais fácil.